LOUVEIRA: Despejos na Abadia causam sofrimento e dor

Despejo Abadia_110116_cred Roberto Palaro (17)

Segunda-feira, 11 de janeiro, às 9h, no alto de um morro cercado por plantações de uva no bairro da Abadia, parecia que estava montada uma operação de guerra. Dezenas de guardas municipais bem armados desembarcaram de suas modernas viaturas, além de três viaturas da PM, se postaram para o confronto. Duas possantes máquinas, uma retroescavadeira e um enorme trator, três caminhões da Litucera, ampliavam ainda mais o cenário de guerra montado em meio a plantações de uva e caqui. Oficiais de Justiça brandiam suas notificações que lhes garantiam, juridicamente, o álibi perfeito. Funcionários municipais de várias Secretarias mostravam intranquilidade ante o choque iminente, mas disfarçavam o nervosismo procurando dar alguma credibilidade ao absurdo que estava fatalmente prestes a ocorrer contra famílias inocentes.
FAMÍLIAS INOCENTES
Do outro lado, no lugar de perigosos e bem armados membros de alguma facção criminosa, o que se via era nada mais nada menos que trabalhadores honestos e indefesos compondo seis inocentes famílias, com várias crianças, adolescentes, mulheres, maridos, idosos, inclusive uma senhora usuária de hemodiálise, todos tremendo de indignação e de frio sob a chuva que caía neste dia trágico. Mas em nenhum momento os moradores, que mesmo perdendo seus lares, esboçaram algum medo ou receio. E, mesmo quando envoltos em prantos e revolta, aguardavam com coragem o momento em que suas casas seriam invadidas pelos  homens mandados pelo prefeito Junior Finamore, que jogariam na carroceria de caminhões da empresa Litucera, originalmente contratada para recolher o lixo do município, os pertences adquiridos por anos a fio de trabalho e sacrifício daquelas famílias que sofriam a mais cruel e insana ‘ordem de despejo’ já realizada em LOUVEIRA.  Isso porque as famílias compraram as terras, cerca de 22 mil metros quadrados, tudo com escritura, impostos pagos, e demais obrigações. Portanto, não se trata de loteamento clandestino e muito menos de invasão. As casas ocupam áreas bem distantes umas das outras. “Sorrateiramente, a Prefeitura enviou seus funcionários para verificar as obras de construção das casas, fotografaram e nada notificaram aos moradores. Simplesmente fizeram Boletim de Ocorrência (BO), permitindo que as obras e benfeitorias fossem realizadas, já que se tratava do sonho de muitos anos de trabalho duro para nós adquirirmos a terra e construir a casa própria. E nunca nos avisaram de nada”, reclama Edemir de Carvalho, o ‘Bonito’.
Para o casal Cristiano e Ana Lúcia, os primeiros a serem despejados, apenas a Secretaria de Gestão Ambiental esteve no local. “Eles verificaram se havia alguma irregularidade cometida por nós com relação ao meio ambiente. Não encontraram nada. Tempos depois, chegam os oficiais de Justiça avisando que nós tínhamos quinze dias para deixar nossa casa, que logo depois será demolida. Tentamos contatar a Prefeitura para conversar sobre o assunto, mas nunca fomos atendidos por ninguém”, disse Ana Lúcia.
VALOR MUITO BAIXO
“O prefeito enlouqueceu? Tirar a gente dos nossos lares prontos e confortáveis, do dia para a noite. Mudar para onde? Aqui é a nossa casa, comprada com muito sacrifício. Não temos outro lugar para morar. Vamos ficar na rua, sob sol e chuva, com nossas crianças e idosos? E os móveis e eletrodomésticos comprados com muito suor? Como serão recuperados? Somos trabalhadores. Como vamos fazer com nossos empregos? Precisamos de roupa e alimentação para poder trabalhar. Como fazer essas coisas na rua? E o pior é que a Prefeitura apresentou um valor para a desapropriação abaixo da metade do que pagamos para adquirir a terra, que foi R$ 960 mil divididos entre quatro pessoas, meu marido, o Eleus do Nascimento, e mais três vizinhos. O valor disponibilizado pela Prefeitura mal paga o terreno. E as casas? R$ 480 mil para seis famílias? O preço das terras, com base no Imposto Territorial Rural (ITR) está em torno de R$ 1,5 milhão. Se fosse desapropriar outras pessoas, com certeza o valor seria muito maior. Como somos nós, o valor é para baixo, como se a Prefeitura não tivesse dinheiro de sobra, mais de R$ 120 milhões que não foram gastos. É só ver na internet. Como pode isso?”, questiona Leandra Nascimento, cuja mãe faz tratamento de hemodiálise.
Revoltada, Eleonora Nascimento, sobrinha de Leandra foi firme ao dizer que se arrependeu de votar em Junior. “Nós demos um voto de confiança a Júnior Finamore que infelizmente age dessa forma. Meus filhos adoram este lugar, eles brincam fora de casa sem perigo algum. E agora, como fazer, onde vamos morar? Nós tentamos a legalização, mas foi neste momento que entraram com o processo de despejo, de modo secreto, sem a gente saber. Queriam mesmo nos botar para fora. Mas para fazer o quê com a nossa terra? Fizeram de caso pensado, na má-fé com a gente. Isso só pode ser perseguição”, opina.
MÁ-FÉ
É o que pensa também o advogado dos despejados, dr. Arcanjo Faustino de Oliveira, que tem escritório em VINHEDO. “Realmente eles queriam legalizar o terreno que foi comprado e que tem escritura junto à Prefeitura. Não é invasão, mas a Prefeitura usou de má-fé. Os proprietários têm toda a documentação em ordem. Foram à Prefeitura para legalizar a área, mas foram tratados com má-fé e com muita injustiça e descaso. Claro, o que está sendo feito é legal, mas não é justo. Antes de embargar eles poderiam ter negociado outra área. E o terreno em questão não se trata de Área de Proteção Permanente (APP) pela inexistência de córrego ou nascentes. No máximo pode ser uma Área de Proteção Ambiental (APA)”, opina o advogado.
Para o dr. Arcanjo, “eles da Prefeitura não têm projeto para a área. Cadê? O que vai ser feito no lugar? Sei que existe um confronto a partir de uma questão política entre o prefeito e o ex-proprietário da terra, o Milton Lourenção, eles não se relacionam bem. Outra coisa: não entendo como esse projeto correu tão rápido. Não é usual na esfera jurídica”, desconfia.
“Estão oferecendo guarda para os móveis e utensílios domésticos, mas e para as pessoas, para os seres humanos? Isso é uma inversão total de valores. Providenciam local para os utensílios e deixam as pessoas atoa, isso é um descaso total, trouxeram um monte de policiais, um monte de funcionários. Se fosse uma Administração séria, a preocupação maior seria com os seres humanos e não com os móveis. Pessoas, crianças, idosos, nada disso foi considerado. Foi armada uma operação de guerra para retirar trabalhadores honestos, que compraram a terra com muito suor e sacrifício. E o pior: quando essas pessoas foram legalizar a área usaram de má-fé para desapropriá-las, para despejá-las sem levar em consideração a condição humana deles”, opina dr. Arcanjo.
PANELAÇO E PASSEATA
Segundo a moradora Renata Ferreira dos Santos “nós vamos à Prefeitura conversar com o prefeito para que ele devolva o que está nos roubando. Vamos fazer panelaço e protesto na Prefeitura até ele nos atender. Vamos fazer passeata com carro de som pelas ruas de LOUVEIRA para que todos saibam quem é de verdade e como age o prefeito Júnior Finamore”.
Porém, depois das vítimas recorrerem à Promotoria para intervir junto à juíza substituta, Iohana Frizzarini, na quarta-feira, a magistrada manteve o despejo, mas sem arrombamento das casas e uso de mais força policial como queria Júnior Finamore.
OUTRO LADO
A Prefeitura de LOUVEIRA se manifestou através de nota sobre os fatos que levaram à desapropriação de imóveis na Abadia, nesta semana. Segundo a Prefeitura, houve sim vários avisos aos moradores. “Apesar de notificados desde fevereiro de 2014, sobre a irregularidade das construções em área estritamente de preservação de recursos hídricos da bacia do córrego Fetá – o maior manancial de água hoje do município – elas continuaram com as edificações. Para evitar danos ainda maiores ao abastecimento de água do município, a área foi decretada de utilidade pública, os valores depositados em juízo e agora, por ordem judicial, o município está tomando posse. Desde agosto de 2014, os moradores tinham pleno conhecimento da desapropriação”, esclareceu a Administração Junior Finamore, sem explicar porque deixou que por tanto tempo as casas fossem construídas e terminadas, sem impedir que todas ficassem prontas e os moradores ali se estabelecessem.
CARREATA CONTRA
MAIS DESPEJOS
Frente às atrocidades do prefeito de LOUVEIRA em não resolver os problemas das casas que vão ser derrubadas, e sabendo que outras serão demolidas no Bairro Santo Antônio, os moradores vítimas do despejo fizeram uma carreata no sábado, a partir das 10h, partindo da Praça da Igreja São Sebastião, no Centro, passando pelas ruas da cidade.

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