LOUVEIRA: Coluna de João Batista – ‘Louveirando’

Esperando sentado

Em tempos de esperança, falo aqui da vacina contra a covid19, vale a pena sentar e esperar, enquanto não chega a sua, a minha vez de ser vacinado. Em LOUVEIRA, já começou, ao que parece de maneira ordeira e respeitosa a vacinação dos grupos prioritários. Perdi alguns amigos para a Covid-19, senti muito, pois se num dia um desses amigos me cumprimentou feliz na rua, dali há uns vinte e poucos dias ele morreu. Foi chocante sim. Se isso mudou alguma coisa em mim? Claro que sim, justamente por ter mais certeza ainda de que devo cumprir, sem neurose, as medidas sanitárias, e embora, as vezes pareça que não por eu postar muitas fotos em muitos lugares, todas as vezes eu estava dentro de um padrão razoável de proteção. Como eu disse, sem neurose.

Engraçado que foi justamente um banquinho abandonado no meio da rua em que moro, aqui em LOUVEIRA, que me fez pensar nisso. Primeiro por justamente neste momento ter uma amiga tão querida internada, e eu, aqui sem poder visitá-la no hospital, aliás, ela me disse que foi muito bem tratada, por todos, na Santa Casa aqui do Município, acrescentando que mesmo sendo muito bem tratada, não vê a hora de ir para a casa, me disse isso rindo e esperançosa. E o banquinho representa um outro banquinho na minha mente, que se houvesse visita aos doentes internados por Covid-19, seria onde eu me sentaria. Era uma manhã de terça-feira quando o banquinho apareceu para mim, tão abandonado, como que dizendo num tom de alerta: “olha o que acontece quando não somos mais úteis”. Neste momento eu o coloquei na calçada, por saber que tem sempre alguém que vê utilidade nos mais variados objetos deixados por aí. Eu não tenho esse talento.

Torci pelo banquinho e caminhei portão adentro, deixando-o, de alguma forma exposto a própria sorte. Imaginei enquanto tomava o meu café com leite, gosto mais escuro e doce, e comento uma batata doce de casca roxa, por achar a batata de casca roxa mais doce também, em quem o teria deixado ali no meio da rua. Ou se foi alguém, vendo-o na calçada, o colocou no meio da rua, local tão impróprio para se deixar qualquer objeto que possa interferir no trânsito, ainda mais numa rua de descida um tanto quanto acentuada, onde os veículos descem em velocidade alta. Sem deixar de citar as bicicletas que descem em altíssima velocidade, fator que agrava a potencialidade de um acidente, ouso dizer, um acidente mais grave.

Mas cada um pode, sem dúvida, criar uma história para o banquinho, de acordo com a sua visão de mundo. Eu por aqui pensei em tanta coisa, como por exemplo, não sei bem porque, me lembrei do conto de José Saramago, A Cadeira. Essa analogia, simplificada por mim, me remete ao poder que o banquinho exerceu em determinado lugar para determinadas pessoas, mas que agora, com o forro todo rasgado, não sei se com caruncho ou não, estava ali abandonado. Outrora um trono, agora um estorvo. Voltei algum tempo depois para pegá-lo para mim, mas não o encontrei mais, diante disso, só me restou torcer por ele. Agora, naquele banquinho, sentado não posso esperar.

Trilha Sonora / Grândola Vila Morena / José Afonso

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