VINHEDO: Caso Yago, quando a omissão acaba em tragédia

Tiago_Cred. Reprodução Facebook

A morte de Yago Ahmar, uma criança de apenas dois anos, na quinta-feira, 24, gerou muitas dúvidas e revolta por parte da população de VINHEDO. Isso porque toda história envolvendo a criança era cercada de muitas lacunas. Felizmente, o trabalho de investigação da Polícia Civil de VINHEDO, conduzido pela delegada Doutora Luciana Maria de Andrade Botteri, pelo chefe de investigação José Carlos de Moraes, e os investigadores Sérgio de Souza e Carla Maria Biasioli Arruda, conseguiram juntar as peças desse quebra cabeça em tempo recorde, sendo que todos os envolvidos no caso foram ouvidos em um único dia. Como resultado a prisão do pai de Yago, Tiago Ahmar de Moraes, foi decretada. Porém até o momento o suspeito encontra-se foragido.
A FOLHA NOTÍCIAS conversou com os investigadores do caso e detalha a seguir o perfil dos pais da vítima, o último dia de Yago antes de ser internado e toda a investigação que chegou até o pai como suposto agressor.

O RELACIONAMENTO
A mãe de Yago, Cristiana Costa, conheceu Tiago Ahmar por intermédio de um parente. Ela vem de família simples, e mora numa casa pequena na Vila Junqueira, em VINHEDO. Depois que começou a morar junto com o pai de seu filho, porém, deixou de trabalhar e dedicava-se apenas a cuidar da família.
Tiago, por sua vez, filho de um médico e uma psicóloga divorciados, vem de uma família com melhores condições financeiras. Seu pai morava numa casa no condomínio Vista Alegre, e sua mãe num apartamento avaliado em aproximadamente R$ 400 mil. Segundo a Polícia, Tiago nunca trabalhou. Ele praticava Jiu-Jitsu, luta na qual tinha a faixa azul. Desde criança, estudou em escolas particulares. Por problemas disciplinares foi expulso de várias delas.
Tiago também era usuário de drogas, e chegou a ser internado para tratamento por algumas vezes. Mas, a exemplo do que acontecia nas instituições de ensino, também foi expulso por mau comportamento.
Os dois tiveram pouco mais de um mês de envolvimento até que Cristiana engravidasse. Nesse meio tempo Tiago foi condenado por tráfico de drogas. Ela preferiu não contar para a família de quem era o filho que estava esperando, e escondeu a gravidez o quanto pode.
Quando Yago já tinha seis meses de vida, finalmente conheceu seu pai. Tiago assumiu a gravidez. Mas foi novamente preso. Dessa vez o crime era um roubo que cometera. E mais um ano se passou.
Há aproximadamente seis meses foi novamente solto. Dessa vez assumiu um relacionamento sério com Cristiana e a levou para morar com seu pai, que é cadeirante e na época precisava de cuidados.
Depois disso, como Tiago estava morando com sua mãe, Cristiana aos poucos foi mudando para o apartamento da sogra. Para dar mais espaço ao casal, a psicóloga resolveu se mudar para a casa do ex, que havia voltado para o Rio de Janeiro. E assim fez.
Desde então os dois passaram a morar juntos e sozinhos. Tiago apresentava um comportamento agressivo com Yago, sempre gritando com o garoto, e por diversas vezes chegando a agredí-lo. Cristiana, porém, nunca apresentou queixa com relação às agressões.

AGRESSÕES
Yago sempre foi muito próximo da avó e tia materna. Segundo depoimentos a criança foi praticamente criada pelas duas. Depois que Tiago voltou para VINHEDO o menino passava parte da semana com os pais e parte com a família materna. Porém, ele sempre tinha medo do pai. Era muito difícil fazê-lo aceitar voltar para a casa onde eles moravam.
No inquérito a tia da vítima mostrou várias fotos com o menino machucado, com ferimentos por todo o corpo. Em depoimento ela disse que questionava Tiago sobre os hematomas e a resposta era sempre a mesma: a criança tinha sofrido um acidente, ou havai caído, escorregado em algum lugar.
No dia 18, sexta-feira, Yago foi levado à UPA desacordado. Os pais afirmavam que ele havia caído do escorregador no playground do prédio em que morava. A médica suspeitou do caso e acionou o Conselho Tutelar, que compareceu ao local e, após avaliar concluiu que a versão dos pais era plausível. A criança foi entubada e levada para a Unicamp, onde foi operada. Entre as fraturas que apresentava, Yago tinha um afundamento de crânio e órgãos rompidos. Ele sofreu uma operação, mas não resistiu e morreu dias depois.

A INVESTIGAÇÃO
Enquanto o velório da criança estava acontecendo no Cemitério Municipal de VINHEDO, na tarde de sexta-feira, 25, a investigadora Carla recebia uma denúncia anônima avisando que embora os pais da vítima que estava sendo velada do outro lado da rua alegassem que a criança sofrera uma queda, na verdade seu pai a agredira, e esses ferimentos é que resultaram na morte do menino.
Usando de sua experiência, sensibilidade e ‘faro’ policial, Carla resolveu investigar. Junto com o chefe de investigação José Carlos, eles foram até o velório. Levantando o caso, descobriram que o garoto fora atendido na UPA e se dirigiram ao local. Por sorte, a equipe de plantão era a mesma do dia em que Yago deu entrada no hospital. A médica que os atendeu disse ter suspeitado do caso devido ao alto número de fraturas que a criança sofrera. Por conta disso acionou o Conselho Tutelar, que conferiu o caso, mas não achou nada de incomum.

OS DEPOIMENTOS
Todos os envolvidos no caso foram ouvidos no mesmo dia. Desde a médica que atendeu Yago até o motorista da ambulância que realizou seu transporte e as duas famílias envolvidas.
Foi um desses depoimentos que descobriram que Tiago tinha envolvimento com drogas e passava vários dias fora de casa, período no qual fazia uso de entorpecentes. Além disso, a Polícia descobriu que o suspeito era pai de outra criança em São Paulo, e que existia um boletim de ocorrência denunciando uma suposta agressão contra esse filho também.
Outros fatos intrigantes são que Cristiana não ficou junto ao filho quando ele estava internado após a operação em Campinas. Quem acompanhou a criança sempre foi a irmã dela. Mais que isso, no dia do velório de Yago, Cristiana se ausentou do Cemitério para que pudesse juntar os brinquedos do filho, em tese, sem se importar em estar ao lado dele nessa última despedida.
Após todos os depoimentos, foi a vez da mãe contar o que aconteceu no fatídico dia. Ela demorou para confessar o que realmente aconteceu, mas acabou entregando: “Aquele dia foi um inferno, ele apanhou o dia inteiro”.
As agressões começaram logo pela manhã do dia 17, quinta-feira. Durante o banho Tiago começa a bater em seu filho. A mãe, Cristiana, ouve barulhos, mas quando chega no cômodo diz não perceber nada, pois Tiago parava o que estava fazendo. Porém, advertia o pai de seu filho em tom de brincadeira, mesmo sabendo o que estava acontecendo: “Se vocês não pararem eu vou colocar um em cada quarto, de castigo”, contou.
Entre essas idas e vindas ao banheiro, ela tentava separar os dois abraçando seu filho, mas pouco tempo depois tudo recomeçava. Em certo momento, com a porta do banheiro fechada ela ouviu pancadas na parede, que poderiam ser da criança sendo jogada.
Quando a porta se abriu ela viu seu filho quase sem força sussurrando para tentar pedir ajuda: “Mamãe, mamãe”, ele dizia.
Em outro momento, apesar do frio que fazia, Tiago mergulhou o filho na piscina do prédio, e voltou para o apartamento. Quando o garoto começou a tremer de frio repreendeu-o. “Homem não sente frio, pare de tremer”, ordenou gritando.
Não suficiente, na hora do café da tarde, ao ver que Yago estava sentado à mesa, mais uma vez se irritou. Puxou o filho pelo braço e o arremessou sobre a cama. Rasteiras para derrubar a criança no chão também foram usadas nas agressões, todo o tempo.
Mas, mesmo diante de tamanha violência a mãe não pensou em chamar por socorro. Segundo seu depoimento o motivo da suposta omissão não era qualquer tipo de ameaça física que sofrera de seu amásio, e sim o fato dele dizer que poderia tirar a guarda de Yago dela.
Por volta das 21h desse mesmo dia a mãe de Tiago visitou o casal. O filho discutiu com a mãe e foi para o quarto. Ela, então, perguntou para Cristiana se tudo estava bem, e mesmo depois de tudo que aconteceu ela respondeu que sim, estava tudo bem. No dia seguinte, pela manhã, a mãe do bebê saiu para pegar algumas fraldas na casa de sua família. Antes de sair deixou Yago assistindo a um DVD. Ao voltar estranhou ver seu companheiro de banho tomado, pois não tinha o hábito de banhos matinais, e viu Yago deitado no sofá enrolado no cobertor, dormindo. Perguntou se tinha acontecido alguma coisa e Tiago afirmou que tudo estava normal. Ela preparou o café da manhã e chamou o filho para comer. Ao perceber que ele não respondia foi até onde estava deitado. Ao desenrolá-lo viu que a criança estava nua, desacordada, com dificuldade para respirar, com espuma saindo de sua boca, quase convulsionando. Foi aí que começou a peregrinação pelos hospitais até chegar à Unicamp. Onde, após várias cirurgias, Yago morre.
No depoimento, Cristiana cita que Tiago chamava seu filho de ‘sementinha do mal’, e afirmava que ele deveria ser eliminado. Outra coisa que chama a atenção é que mesmo após todos os fatos ocorridos, no sábado, 26, quando o casal se encontrou, se beijaram e se abraçaram, como se nada tivesse acontecido.
Tiago continua foragido. Quem tiver informações sobre seu paradeiro ou qualquer novo fato sobre o caso pode entrar em contato com a Polícia ou mesmo com o disque denúncia.
Louvável o rápido e eficaz trabalho de investigação da Polícia Cívil de VINHEDO que tornou possível a elucidação desse caso. Mas muitas dúvidas ainda persistem e chocam os vinhedenses: Por que tamanha crueldade contra seu próprio filho, de apenas dois anos? De onde vem tanto ódio e indiferença? Só Tiago tem as respostas…

Mãe diz que não sabia das agressões:
A FOLHA NOTÍCIAS conversou com a mãe de Yago, Cristiana Costa, na tarde de quinta-feira, 31, e ela contou sua versão sobre os fatos. Já de início foi perguntado sobre a relação entre ela e Tiago, o suposto agressor de seu filho. Ela contou que entre eles tudo corria bem. “Nunca fui ameaçada ou agredida por Tiago. Ele sempre me tratou muito bem. Mesmo no dia em que ele agrediu Yago, continuou a me tratar com carinho”, contou. Porém, ao ser questionada sobre a relação dele com o filho o carinho não era o mesmo. “Com a criança Tiago era muito inconstante. Às vezes tratava com muito carinho, outras era agressivo. Mas nunca achei que pudesse ter um fim tão trágico. Teve uma vez que o Yago apareceu com umas manchas rochas no rosto e ele disse que meu filho tinha caído no banho, mas não tinha como saber se era verdade ou não”, afirmou Cristiana. Sobre o dia 17, quando às agressões começaram, a mãe disse não ter percebido o espancamento. “Só fui saber que Yago tinha sido tão violentado quando fui chamada para ser interrogada na Delegacia. O investigador me chamou e mostrou o laudo. No dia 17 eu não percebi nenhuma agressão. Deve ter acontecido enquanto ele estava dando banho em Yago com a porta do banheiro trancada. No dia em que Yago foi internado (18) eu saí para buscar fraldas na casa da minha mãe. Quando voltei vi meu filho deitado e pensei que ele estivesse dormindo. Logo após, tomei café da manhã com Tiago e fui trocar a fralda dele. Aí vi que ele estava convulsionando e corri para o hospital”, relata. Cristiana também contou que em nenhum momento afirmou para a médica que atendeu seu filho na UPA que ele somente havia sofrido uma queda no parquinho. “Foi a médica quem perguntou se ele havia sofrido algum tipo de queda. Nós falamos que sim, que ele havia. E de fato ele sofreu uma queda no dia anterior à internação. Depois a médica perguntou se ele teve febre ou desmaiou, e eu disse que não”, declara. Ao ser perguntada sobre o amor que sentia pelo pai de seu filho Cristiana não pensa duas vezes em falar que o amou muito, mas que agora quer que a justiça seja feita. “O amor que eu tive pelo Tiago era muito maior que tudo que eu já senti. Nunca pensei que fosse capaz de amar alguém tanto como o amei. Mas agora quero que a justiça seja feita. Quero estar cara a cara com ele e perguntar por que ele fez algo tão violento com o meu filhinho”, desabafa. Sobre a relação de Tiago com as drogas ela afirma que o suspeito foi internado para reabilitação por mais de 15 vezes. “O Tiago foi internado mais de 15 vezes. Nas duas últimas em hospital psiquiátrico. Mas ele é muito inteligente. Ele sabia se comportar dentro da clínica e em pouco tempo estava fora do tratamento para dependentes”, contou. Sobre o que pretende para o futuro, Cristiana diz ter que tentar seguir em frente. “Eu quero um trabalho para ocupar minha cabeça. O Conselho Tutelar conseguiu acompanhamento psicológico e psiquiátrico para mim. O pessoal da igreja que freqüento também está ajudando muito minha família, seja com orações ou com conversas para tentar nos confortar. Eu acredito muito que é isso que tem me dado força. A gente não entende os planos de Deus. Mas a minha vontade era morrer com ele. Eu passei a maior parte do velório ao lado do caixão dando beijinho e aproveitando até o último segundo ao lado do meu bebê. Eu vivi a pior das dores e vi a pior das cenas. A pior dor é saber que seu filho morreu e a pior cena e ver seu caixão sendo enterrado”, desabafa.

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