VINHEDO: Despejo de Quilombo faz Vinhedo perder parte da sua memória, da cultura e da história

Uma comunidade afro descendente situada no Centro de uma cidade euro descendente, no início trabalhando como escravos, depois como assalariados e por fim como cidadãos livres e independentes, resistiu por 116 anos; um recorde, em um País onde situações de intolerância, racismo e preconceito ainda prevalecem na cultura majoritária.
Como ficou registrado na matéria da FOLHA (leia nesta mesma página) publicada há quase quatro anos, o processo de despejo das famílias que moravam na área da Fazenda Cachoeira vem de longo tempo. Foram despejadas e tiveram suas casas destruídas pelos atuais proprietários ávidos em construir em parte da área um condomínio residencial. Isso demonstra de forma bem clara que a cultura, a história e a memória ainda não tiveram a devida importância por parte das autoridades públicas e privadas do município.
O patrimônio material (casa dos quilombolas, sítio onde viviam) e o imaterial (cotidiano, ritos, festas, educação, cultura afro) foram jogados no lixo. As pessoas foram descartadas como algo inútil e desprezível, tanto que a matriarca Dona Lúcia Aparecido, segundo a Secretaria de Assistência Social da Prefeitura Municipal de VINHEDO, deverá ficar por uns dias em uma Casa de Acolhimento, local pouquíssimo adequado para abrigar uma pessoa com a importância que tem esta senhora para a história, a cultura e a memória de VINHEDO.
Claro que se houvesse um consenso entre a Prefeitura, o Ministério Público e a empresa que detém a propriedade da Fazenda Cachoeira, nada disso estaria acontecendo, e o patrimônio cultural, histórico, material e imaterial de VINHEDO estaria muito bem preservado. Assim como os seus criadores, e todos os descendentes.

TERROR DO PSOL EM AÇÃO

Portanto não se justifica o terror que o vereador Rodrigo Paixão anda fazendo, mais uma vez sem provas, ligando o despejo do Quilombo com uma irresponsável declaração de que a ONG Elo Ambiental, contratada para fazer um diagnóstico técnico da área da Fazenda Cachoeira, tinha dado parecer favorável para a realização de um condomínio residencial em parte do imóvel, por isso o despejo. E os despejos anteriores, das outras famílias? Não foram por causa da incompetência do vereador para impedi-los, assim como o despejo dos quilombolas? É claro que uma área como a da Fazenda Cachoeira é por demais importante para a preservação da vida como um todo na região, que abrange as cidades de VINHEDO, LOUVEIRA e VALINHOS. Mas, usar o problema de forma eleitoreira, irresponsável e mentirosa, além de fazer politicalha, pode prejudicar as negociações entre a Companhia Fazenda Cachoeira, o MP e a Prefeitura de VINHEDO, que quer a preservação dos mananciais e a restauração da antiga Sede da Fazenda.
A ferocidade com que o Rodrigo Paixão trata a questão da Fazenda Cachoeira se explica pela igual voracidade do vereador comunista em amealhar votos para a sua reeleição, porque durante esse tempo todo, mesmo sabendo de tudo o que se passava na Fazenda Cachoeira com relação ao despejo do Quilombo, não moveu uma palha para deter o processo de expulsão dos quilombolas, e agora tenta “aparecer” com a campanha ‘Salve a Fazenda Cachoeira’.
Por outro lado, a FOLHA NOTÍCIAS contatou diversas vezes a Fundação Palmares do Ministério da Cultura, denunciando a ameaça de despejo do último Quilombo da região, e novas matérias foram publicadas sobre o problema. Mesmo assim os vereadores, tanto da ‘oposição’ como da ‘situação’, nada fizeram e deixaram que a ameaça de despejo se concretizasse na terça-feira, 24, às 8h30.

REGISTRO HISTÓRICO DO DESPEJO

Presente no local, a FOLHA NOTÍCIAS foi o único jornal a cobrir o despejo dos quilombolas ocorrido na terça-feira, 24, fazendo o triste registro fotográfico histórico da destruição do único quilombo de VINHEDO. Conversando com Dona Lúcia, ela, muito emocionada, disse que era o fim de um ciclo, de uma era de riquezas familiares e culturais. “Estou arrasada, perplexa, nunca saí desse local, nunca fiz nenhuma mudança, nós dedicamos seis gerações para cuidar dessa fazenda, do nosso Quilombo, das nossas tradições, dia e noite, nunca me afastei daqui. Agora não sei para onde vou, estou alugando uma casa, não sei como vai ser, estou pedindo à Prefeitura que me ajude, é humilhante tudo isso que estamos passando, aqui estão meus filhos, meu irmão, meus netos, todos chocados com o despejo. Peço a Deus que me dê forças, a vida continua, mas é um choque tremendo que vai demorar a passar”, desabafou.

PREFEITO ESCLARECE

Em seu programa ‘Café com o prefeito’, que acontece toda quinta-feira a partir das 8h da manhã na Rádio Capela FM, o prefeito Jaime Cruz falou que a Prefeitura não dispõe de milhões para comprar a Fazenda Cachoeira. “D. Lúcia é uma mulher guerreira que morava na área particular da fazenda, que é privada, tem um custo. Existe um debate histórico sobre o Quilombo secular existente no local. Falei com a Promoção Social (Secretaria) para conseguir o ‘Aluguel Social’ de forma emergencial. Quanto à demolição, é uma questão judicial com os proprietários, mas vamos ver juridicamente o que podemos fazer”, acredita.

MEMÓRIA: QUILOMBO REMANESCENTE E O SEU FIM

No dia 26 de julho de 2011, portanto há quase 4 anos, a FOLHA NOTÍCIAS publicava uma matéria denunciando que a Família Aparecido, pertencente a um quilombo remanescente da Fazenda Cachoeira, localizada às margens da Represa I, em VINHEDO, estava sob ameaça de despejo por parte dos supostos herdeiros de Celina Cunha Bueno, única contemplada no testamento da antiga proprietária, a baronesa Leontina Monteiro de Barros. E que logo após a morte de Dona Celina, seus parentes criaram da noite para o dia a empresa Gálatas Empreendimentos, a qual imediatamente entrou com várias ações contra a família Aparecido, que na verdade dá continuidade a um quilombo remanescente, e também contra outras famílias de moradores com mais de cinquenta anos na área, visando despejá-los sem levar em conta a Lei Usucapião Urbano Coletivo Especial, que garante a posse do imóvel urbano ocupado por pessoas de baixa renda, como se donos fossem, sem que seja possível identificar as respectivas áreas de cada possuidor, tendo todos destinado o imóvel para moradia deles ou de suas famílias.

USUCAPIÃO

Para a Lei de Usucapião Urbano Coletivo Especial não há exigência de justo título e presume-se a boa-fé, mas é obrigado que os possuidores não sejam proprietários de outros imóveis, urbanos ou rurais, e que a posse tenha ocorrido de maneira mansa e pacífica, ininterruptamente, sem oposição do proprietário, e por prazo igual ou superior a 5 anos. Ora, todos os moradores ameaçados se enquadravam com sobras nessa e em todas as outras modalidades da Usucapião. Além disso, com relação aos remanescentes de quilombo, o artigo 68 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), da Constituição brasileira, 1988, dispõe que “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir os títulos respectivos”.

QUILOMBO DE VINHEDO

Por várias vezes a reportagem da FOLHA esteve no local conversando com a matriarca do quilombo remanescente, Lúcia Aparecido, e um de seus filhos, André Ricardo Aparecido. Na época, eles afirmaram que a Família Aparecido está na quinta geração na área da Fazenda Cachoeira, sendo portanto a mais antiga família no local com cerca de 100 anos de presença constante como moradora e zeladora da fazenda e da área onde o Quilombo (formado por escravos da propriedade) estava instalado. “Vim para cá com 9 anos, tenho 57. Nasci na Fazenda Sant’Ana. Quando meu pai morreu, minha mãe veio para cá, onde já morava o meu avô, que veio trabalhar com a baronesa Leontina com 12 anos de idade”, recorda Dona Lucia.

DESPEJO

Depois do despejo que ocorreu na terça-feira, 24, o prefeito Jaime Cruz ofereceu um lar provisório para os Quilombolas da Fazenda Cachoeira e vai disponibilizar uma casa sob o benefício do ‘Aluguel Social’.
Ontem, sexta-feira, 25, aconteceu uma reunião entre os proprietários da área, o prefeito de VINHEDO, o promotor público, Rogério Sanches Cunha e outras autoridades municipais. O promotor Rogério Sanches explicou que a casa da família Aparecido, construída há mais de 100 anos, está fora dos 200m² de área tombada pelo Condephaat, porém constatou, durante a reunião, que a ordem para demolição da propriedade foi precipitada, já que parece estar baseada em uma liminar, ou seja, pode ser revertida. Além do mais, os vereadores Marta Leão e Rodrigo Paixão, que estiveram no local, afirmaram que de acordo com o advogado da família Aparecido, o processo ordenando o despejo ainda não havia sido devidamente julgado.
Desde o despejo ocorrido, Dona Lúcia está alojada em uma pensão, situação que deverá ser resolvida em breve, já que será beneficiada pelo aluguel social. O restante da família foi encaminhado ao abrigo da Prefeitura.

ENTENDA A NOTÍCIA

Após a morte de Dona Leontina Monteiro de Barros, aos 103 anos, a Fazenda Cachoeira, berço do município, onde tudo começou em VINHEDO, foi parar nas mãos de herdeiros, que criaram uma empresa para administrar os mais de 1 milhão e 700 mil metros de terras. A Prefeitura de VINHEDO iniciou então as conversações para a aquisição da área na intenção de preservar o patrimônio histórico e cuidar dos mananciais que abastecem parte das represas do município. Entretanto, a empresa e os herdeiros pediram um valor de mercado de R$ 60 milhões, dinheiro que a Prefeitura não tem para pagar. Em 2013, a empresa ofereceu um acordo que cederia parte da Fazenda Cachoeira para o Município, desde que outra parte maior ficasse para a construção de condomínios. Com a polêmica proposta, em 2014, o prefeito Jaime Cruz, ao assumir a Administração, solicitou estudos para o impacto destes empreendimentos. De outro lado, a empresa contrata a ONG Elo Ambiental de VINHEDO para também fazer estudos da área. Em contrapartida, a Câmara de VINHEDO cria uma Comissão para Assuntos Relevantes com o objetivo de fiscalizar e também acompanhar o processo da ‘divisão’ da área, sem afetar os mananciais e o patrimônio histórico da Fazenda. O vereador Edu Gelmi está a frente da Comissão. Enquanto nada se resolve, as famílias de antigos colonos foram sendo despejadas, e agora a de Dona Lúcia Aparecido, a última geração do Quilombo vinhedense. Enquanto isso, a Prefeitura de VINHEDO corre contra o tempo para ajudar D. Lúcia e também não perder a Sede da Fazenda, assim como a água que ainda corre por estas terras.

D. Lúcia, seu filho André e família. Quilombolas são expulsos em VINHEDO na terça-feira, 24

D. Lúcia, seu filho André e família. Quilombolas são expulsos em VINHEDO na terça-feira, 24

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