VINHEDO: Especialista da Unicamp visita a sede da Fazenda Cachoeira e fica surpreso com o que encontra

VDO_Fazenda Cachoeira_cred RFN (3)

Na última sexta-feira, 6, a Fazenda Cachoeira recebeu a visita de um grupo de alunos do curso de Ênfase do Patrimônio Rural, da Unicamp.  A coordenação da visita e curso é do prof. dr. Marcos Tognon, arquiteto com mestrado em História da Arte pela Unicamp e doutor em Storia Della Critica D´Arte – Scuola Normale Superiore Di Pisa.
Durante a entrevista, o especialista,  que é coordenador do Inovação e Pesquisa para o Restauro (I.P.R) da Agência de Inovação da Unicamp e conselheiro do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Artístico Arqueológico e Turístico (Condephaat) do estado de São Paulo, mandato 2006-2008, reforçou a importância da sociedade para se preservar o patrimônio histórico. “Todo patrimônio abandonado, ou que está em estado de ruína, é porque ele foi esvaziado da sua função social. E essa função social pode ser ligada ao trabalho, família ou como a sociedade vê aquele patrimônio”, reforçou.
Disse ainda que não se pode jogar a responsabilidade de preservação e reforma apenas nas costas dos proprietários e que deve existir um pacto entre todos e pois: “não adianta pensar na preservação se não associarmos a uma sustentabilidade econômica.”
Confira a entrevista:

Folha Notícias (FN) – Professor, qual a abrangência do curso em “Ênfase ao Patrimônio Rural” ?
Prof. Marcos Tognon (MT) – O curso é uma especialização dentro da graduação de história da Unicamp para formar alunos na área de história com ênfase em patrimônio cultural. Os alunos devem frequentar três cursos de patrimônio, dois cursos da história da arte, ou seja, cinco disciplinas de onde eles recebem um título.
O objetivo deste ano e do ano que vem  será o de visitar e estudar sítios e áreas rurais que tenham contexto interessante de preservação e avaliar como isso está sendo feito. As pesquisas levam em conta a conjuntura atual, ou seja, um processo que seja sustentável, que possa valorizar a educação e que possa atingir um público, preferencialmente, as crianças. Dessa forma será valorizado um patrimônio que foi fundamental para o estado de São Paulo, que é o patrimônio do café.

FN – Até o momento, quantas fazendas já foram visitadas ?
MT – Esse nosso grupo de alunos já visitou três fazendas. Porém, o grupo de estudos que eu tenho, anterior a esta disciplina, já visitou mais de 150 fazendas em todas as regiões do estado de São Paulo, desde o Vale do Paraíba, Mogiana, Araraquara e São Carlos. Foi um trabalho muito interessante pois encontramos vários proprietários fazendo exemplos de preservação do patrimônio histórico, como é o caso da Fazenda Cachoeira, mas também encontramos situações muito precárias e preocupantes. Neste nosso trabalho de visitas, levantamos que o Estado de São Paulo ainda possui cerca de 4 mil a 4,5 mil fazendas remanescentes desse período do café. Isso é um acervo que nenhum outro lugar do Brasil reúne.

FN – E o estado geral dessas fazendas ?
MT – Precário. Muito precário, porque elas sofrem, basicamente, de dois problemas: o primeiro é o custo de manutenção desse patrimônio que é muito alto, porque tudo é muito grande, de grande escala. São centenas de metros quadrados. Isso tem um custo muito elevado mesmo para gestores com potencial econômico. O segundo grande problema é a falta de interação entre as políticas públicas da área da cidade com essa preservação rural. Isso é um problema muito grave no Brasil, onde as Prefeituras e conselhos de preservação não conseguem entender as necessidades do patrimônio rural. Muitas vezes, eles sofrem pressões urbanas, econômicas e ambientais porque a maioria dessas fazendas foi a origem das cidades, como é o caso da Fazenda Cachoeira. Portanto, deveria haver um diálogo muito especial entre os gestores públicos com esse patrimônio para que se consiga criar uma parceria de fato e um convívio harmônico pelo qual a cidade ganha e os gestores desse patrimônio possam manter esses locais.

FN – Qual a importância de se ter o envolvimento da sociedade em um patrimônio histórico como esse ?
MT – A importância é total. Todo patrimônio abandonado, ou que está em estado de ruína, é porque ele foi esvaziado da sua função social. E essa função social pode ser ligada ao trabalho, família ou como a sociedade vê aquele patrimônio. O que muitas vezes não se compreende é que esse patrimônio precisa ter um fundamento econômico para ele existir, ou seja, investimentos para a recuperação e manutenção muito consistentes. Para isso é necessário fazer um pacto com o mundo econômico para que as coisas possam se desenvolver. É impossível esperar dos proprietários e isso eu vi em casos de donos do patrimônio com condições financeiras muito elevadas e com outros muito humildes, pois todos, de um modo geral, acabam enfrentando dificuldades com essa interlocução com a sociedade. O que a gente procura fazer é sensibilizar as Prefeituras, e a gente conseguiu isso em São Carlos e Mococa, por exemplo. Ali, a cidade tem 40 fazendas históricas. E foi mostrando a importância dessas fazendas para o público que a Prefeitura começou a se sensibilizar com esta questão. Não adianta pensar na preservação se não associarmos a uma sustentabilidade econômica. Tem que haver um pacto para viabilizar. Afinal, os proprietários estão hoje aqui e a gente não sabe se estarão daqui a 100 anos. A Prefeitura ainda estará daqui a 100 anos. Temos que pensar isso de modo institucional e não de modo pessoal.

FN – Pelo que o senhor viu do casarão da Fazenda Cachoeira, quais foram as primeiras impressões ?
MT – Ele tem ainda uma boa parte do seu conjunto do século 19 reconhecida, especialmente as estruturas de taipa de pilão, tanto da tulha quanto da sede, isso é anterior a 1860. A introdução das construções de tijolos nas fazendas ocorre em grande parte só nas últimas duas ou três décadas do século 19. É uma das raras sedes de fazenda e tulha que ainda estão em pé no estado de São Paulo. Te garanto que muitas sedes que eram de taipa de pilão tiveram suas estruturas modificadas ou ampliadas, alterando, introduzindo tijolos. Aqui o conjunto está muito íntegro. Por exemplo, o assoalho de tábua larga de 25cm é uma raridade encontrar desta forma. Ela é uma raridade não apenas da região de Campinas, mas de todo o interior do estado de São Paulo. Você terá sedes semelhantes em São Carlos. Alguma outra fazenda na região de Limeira. Na região da Mogiana são poucas fazendas que estão conservadas ou que ainda existem de taipa. Percebi que muitas das estruturas originais das portas estão preservadas, um sinal claro que é possível fazer a recuperação. Outra coisa que chama a atenção é a dimensão: a sede da Fazenda Cachoeira tem dimensões monumentais, o que não é comum. Semelhante a essa, apenas a fazenda do parque ecológico de Campinas. São grandes fazendas que foram ou cabeça de sesmarias ou das primeiras divisões de sesmarias, sistema de divisão de terras adotada em São Paulo nos séculos 17 e 18 e que daqui nasceram outras fazendas e municípios. Outro ponto de destaque é o acervo. Os móveis, obras de arte, documentações são extraordinários e devem contar muitas informações.

FN – A questão de acervo é um diferencial da Cachoeira ?
MT – Muito. Geralmente as fazendas estão esvaziadas. Os móveis são as primeiras coisas a serem vendidas mesmo pelos proprietários originais. O acervo documental é perdido, mal cuidado, como os livros de registros, fotografias etc. Vocês aqui tem fotografias centenárias, isso é um material que se perde em grande parte das fazendas. É importante preservar esse acervo. O patrimônio rural é uma escola, é onde você pode ensinar as futuras gerações vários princípios, não só a história do local, da economia, pois as fazendas de café representaram um salto tecnológico de São Paulo. O nosso desafio é transformar em ativo educacional não econômico, pois não dá mais para plantar café. Temos que ativar todo esse patrimônio como patrimônio educacional e cultural.

FN – Uma das idéias da Fazenda Cachoeira é trazer as crianças e alunos das escolas para conhecer esse espaço. Qual sua opinião ?
MT – A fazenda de café histórica é uma escola integral, porque ela ensina tecnologia, economia e meio ambiente. Hoje, todas as sedes estão cercada por áreas preservadas, porque os donos resolveram abandonar o café e reintroduzir a mata próxima. É só tendo contato, a vivência concreta é que se vai experimentar uma situação como essa. Não dá para ver isso tudo pela internet.

468 ad